segunda-feira, 11 de abril de 2016

Zootopia (2016) - O subtítulo que criaram em português é ridículo, mas o filme é maneiro

Tá mais pra "Mamiferotopia", mas não sejamos chatos.
Ok, chegando, e hora de mais uma análise do Tio Sortudo. A bola da vez é Zootopia, novo filme da Disney.
SPOILERS ABAIXO.

Como já disse em outras ocasiões, eu não costumo assistir trailers antes de assistir filmes no cinema. De Zootopia, só vi aquela cena das preguiças, que diabo, todo mundo viu. Então, fui pro cinema meio otimista, mas sem grandes expectativas.
Esse espírito combinou com o filme. Mas com resultados excelentes pra quem souber ver.
Mal o filme começou, explicaram através da infância de Judy Hopps, a coelhinha policial protagonista do filme, que os animais são divididos entre "predadores" e "presas", e que nos tempos antigos, eram selvagens e incontroláveis, os predadores sempre caçando as presas incontrolavelmente. Mas que isso mudou, e nos dias atuais vivem em harmonia.
Na mesma hora, cochichei pra minha namorada, que foi ver comigo e é mais fanzaça de animações que eu: "Isso vai ser um puta conteúdo social. Vai ter analogia com segregação racial, ou coisa assim."
E não deu outra.
"Por que eu quero ser policial? Ora, pra comer rosquinhas, é claro!"
A história segue a trajetória da Judy, que é uma presa que decide se tornar policial, e por isso sofre preconceito, que vai desde aversão (como o chefe de polícia Bogo, um búfalo, que a torna guarda de trânsito por achá-la fraca) até pena (como os pais da Judy, que ficam imensamente felizes quando descobrem que ela é uma guarda de trânsito, porque é a função mais segura que ela terá, nas palavras deles "não sendo uma policial de verdade"). Mas ela quer mais, e por isso se mete e acaba colocando as mãos em um caso de desaparecimento.
Aí que entra Nick Wilde, uma raposa que Judy tinha conhecido por acaso, bem estilo "malandro", que fazia um esquema bem louco fora da lei pra ganhar dinheiro (comprava um picolé pra elefante, derretia, colocava o caldo em centenas de forminhas menores, cortava o palito em centenas de palitinhos menores, fazia picolés pra hamster e vendia por preço baixo), e que por acaso, era uma das últimas pessoas que havia visto o desaparecido. Ela o chantageia pra que ele a ajude, ameaçando entregar seu esquema, e ele aceita, os dois começam a investigar, e acabam descobrindo que vários animais estavam se tornando selvagens e assassinos como os antepassados, e sendo capturados. Judy flagra o esquema (que envolvia o prefeito da cidade, um leão), e ele acaba preso, mas quando vai dar uma entrevista, acaba fazendo uma cagada imensa, que foi insinuar que, como todos os animais selvagens flagrados eram predadores, possivelmente isso era algo da natureza deles. Resultado: a cidade se divide. As presas passam a odiar os predadores, achando que são loucos perigosos. E começa uma guerra entre eles. E Nick também se sente ofendido e se separa de Judy por isso.
No momento que a Judy foi fazer a conferência, eu já sabia que ela ia fazer cagada. Toda hora fiquei pensando "ela vai fazer cagada, ela vai fazer cagada", e não deu outra. Cumpriu exatamente o que eu previ no início do filme. Mas não acho que seja previsível de maneira ruim, porque esse detalhe é propositalmente mostrado a partir da diferenciação explicitada no início do filme (já que já se notava um forte preconceito entre eles, apenas mais disfarçado, evidenciado em detalhes como o medo dos pais da Judy em deixá-la ir pra um lugar aonde predadores e presas vivem juntos). E a trama que leva até ele não é tão previsível assim. É cativante. É boa.
Mas faz a gente pensar. Esse é um filme que vai cativar aqueles que gostem de Sociologia. Porque essa segregação não é muito diferente do que ocorre no mundo real. De como o preconceito é disfarçado, mas está lá. Até quando Nick está ofendido com Judy, ela diz "não, você não é assim", frase típica de racistas quando algum negro próximo chama sua atenção por ter dito uma coisa racista. E também mostra que, com um preconceito implícito como esse onipresente na sociedade, uma coisa pequena pode fazer o pior acontecer. Se, no nosso mundo, descobrissem um sanatório com loucos psicopatas trancafiados lá, todos negros, quem duvida que haveria uma caça às bruxas contra qualquer um de pele negra? E se todos no sanatório fossem homossexuais? E se todos no sanatório fossem mulheres? O ódio e a intolerância estão lá, só esperando. Não acho que uma criança consiga apreender tudo isso, mas bem... essa é a vantagem. Pras crianças, é um filme bonitinho. Pros adultos intolerantes quanto a minorias que enchem o peito pra falar que não são racistas mas não contratariam um empregado negro, que falam que não são homofóbicos mas acham que gays andando de mãos dadas na rua são uma vergonha, que falam que não são machistas mas disparam grosserias na rua e acham que a mulher deveria se sentir elogiada... é um tapa na cara. Se ele for inteligente o suficiente pra entender. Infelizmente, a maioria não é. Mas ainda assim, é algo legal.
"... Eu... entendi... essa... referência... !"
Esse foi o ponto mais forte do filme, a consciência social. O segundo ponto mais forte foram as referências.
No meio da investigação, a Judy acaba indo conversar com um chefe da máfia, Mr. Big. Um pequeno hamster que é simplesmente Don Corleone transformado em ratinho. Tipo, foram uns dez minutos de filme de pura referência a O Poderoso Chefão. O casamento da filha dele (que tinha sido salva pela Judy mais cedo, o que garantiu a ela a ajuda do Don). Eu reconheci até antes do Don aparecer, porque a fachada da casa é IDÊNTICA à fachada da casa do Don Corleone, com direito até à grossa corrente que fazia as vezes de portão para os carros, removida apenas para os carros passarem. No final das contas, Judy e Nick acabam sendo convidados para o casamento da filha de Mr. Big, e Judy inclusive se torna madrinha da futura criança do casamento. Isso eu achei algo meio tenso, porque tipo... eu sei que é um filme pra crianças, mas se olharmos friamente, Judy é uma policial que se aliou à máfia, se ligando a ela pra sempre. Se o filme fosse pra mais de 16 anos, sabemos aonde isso ia acabar. Mas bem, é um filme pra crianças, então não pensemos muito nisso, da mesma forma que não pensamos que mesmo com Mulan salvando a China dos hunos, historicamente, dali a poucos anos os mongóis vão atacar, arrasar a China, e ela provavelmente vai acabar estuprada e morta. Ou pior: isso acontece em Mulan 2, o maior buraco de roteiro que já vi na Disney, que as princesas vão se casar com os príncipes de um reino aliado pra formar uma aliança pra se defender dos mongóis, mas no fim o Mushu estraga a cerimônia, as princesas não se casam com os príncipes do reino aliado, se casam com quem amam, todos ficam felizes... mas nada de aliança política. Depois que os créditos acabam, provavelmente os mongóis chegam, queimam, estupram e matam todo mundo, não necessariamente nessa ordem. Meu Deus, isso foi trágico. Ainda bem que não colocaram no filme. Vamos mudar de assunto. Não gosto de lembrar que Mulan 2 existe.
Continuando, temos a Gazelle, que é uma diva pop dublada por ninguém menos que Shakira, e que desempenha seu papel de diva imensamente bem. É citada em diversas ocasiões, o chefe de polícia já foi flagrado vendo um clipe dela no celular (e usando um aplicativo que colocava seu rosto no dançarino que dançava junto com ela), e encerra com um show. Achei engraçado que seja a Shakira, pois sendo o nome "Gazelle", achei que fosse uma referência a "Adele". Mas bem...
"É três por dérreal, pode ir chegando, DVD do melhor, com menu e legenda!"
Em certo momento, Judy e Nick vão apreender uma doninha ladrona, que Judy havia perseguido no início do filme, e que estava vendendo DVD's piratas. E esses filmes piratas eram nada mais, nada menos, que paródias animais dos outros filmes da Disney. "Pig Hero 6", "Wreck-it Rhino", "Meowana", "Floatzen 2"... foi incrível.
Aliás, o filme fez duas referências a "Let it Go", uma no início do filme, em que Judy vai ouvir música e no meio da lista de reprodução dela está a música "Let it Goat", e outra ocasião em que o chefe de polícia Bogo fala pra Judy que aquilo não era um filme de animação que os personagens começavam a cantar e tudo se resolvia, e que ali NÃO TINHA LET IT GO. Achei exagerado, Frozen demais pro meu gosto (embora eu adore Frozen) mas ainda assim, legalzinho.
Bom, tirando as referências e a consciência social, o filme é legalzinho, mas não muito impressionante. É uma história legal, mas não impactante. Gostei, mas não fiquei abismado. Minha namorada quer ser animadora, então tem um olho pra estética da animação muito melhor que eu, e ela disse que ficou abismada com a beleza das texturas dos animais, cada um finamente trabalhado. É uma beleza mais discreta, que é linda e realista, embora não impactante como, por exemplo, o castelo da Elsa saltando aos nossos olhos em Frozen. Mas incrível mesmo assim. Discreto, mas bonito. E cumprindo sua função no filme imensamente.
Admita. Se você gostou desse filme, você é um furry dentro do armário.
Houve um probleminha no filme que identifiquei, mas que tinha que ser assim, ou o filme não se ajustaria: quando falam "Zootopia", eu imaginava uma cidade de animais, não de mamíferos. Mas parece que, nesse mundo, só os animais mamíferos se civilizaram. Nada de aves, de répteis, de anfíbios. Não é tão ruim, só vai contra o que eu esperava. E também, isso complicaria ainda mais a dualidade predador-presa: por exemplo, uma cobra é predadora de ratos, mas presa de várias espécies de animais, como os mangustos. Como ela ficaria na situação do filme? Predadora ou presa?
Enfim... é um belo filme. Não é impactante, não saí do cinema com os olhos brilhando de emoção, mas saí satisfeito com um filme bonito e com uma excelente aula de Sociologia. Recomendo fortemente.

Um comentário:

  1. Adore sua analize do filme, muito legal mesmo, das que li foi a mais completa.

    Eu tbm senti falta dos répteis e aves, mas acho que essa posição presa e predador das cobras por exemplo não é o motivo, pois muitos mamíferos predadores são presas também por exemplo um gato e predador do rato mas o gato tbm pode ser presa do cachorro, um guepardo e predador das gazelas mas o guepardo tbm é presa do leão,a foca predadora mas é presa do urso.

    Minha teoria para isso seria q os répteis tenha uma evolução muito lenta (ex. Os jacarés e crocodilo pouco evoluíram desda época dos dinossauros) mas isso não explica porque não tem aves (muitas espécies de aves tem uma inteligência alta como corvos, papagaios...) logo essa teoria minha é furada.

    Mas pensando a respeito da comparação da sociedade de zootopia com a realidade, a minha percepção da sociedade de zootopia e que a união de presa e predador e recente e ainda está enfaze de adaptação, e talvez a sociedades dos mamíferos não aceitaram a sociedade das aves ou répteis (como ocorre com muitas culturas da realidade que são muito fechadas as estrangeiras) talvez se for esse o motivo de não ter répteis ou aves tamvez daria brecha pra se explorarnum próximo filme.

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